O encerramento de cada exercício financeiro, principalmente no último ano do mandato, exige diversas providências a serem adotadas pelos gestores públicos. As regras e orientações são válidas para prefeitos, vereadores e presidentes de Câmaras Municipais que estão deixando seus cargos.
Quais são essas obrigações legais? Qual o papel do profissional da contabilidade nesses momentos de transição de mandato?
Quem fala sobre o assunto é a especialista em Contabilidade Pública, Fabiana Pascoaloto.
Quais são as principais obrigações legais, na área contábil, que devem ser cumpridas pelos gestores municipais no último ano do mandato?
As obrigações estão previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n.º 101/2000
), que surgiu com a finalidade de mudar a burocracia da administração pública por uma administração gerencial, tornando o serviço público mais eficaz para a sociedade. A Lei também incentiva o desenvolvimento e a expansão econômica do país. As delimitações trazidas na Lei Complementar nº. 101/2000 tem como principal objetivo educar o gestor no sentido de patrocinar o equilíbrio das contas públicas, focando-se no planejamento e responsabilidade social. Portanto, vale enumerar as limitações trazidas pela LRF aos gestores públicos:
- obrigatoriedade de previsão e efetiva arrecadação de tributos;
- compensação das renúncias de receita;
- condicionamento para transferências voluntárias;
- avaliação prévia de impacto para geração de nova despesa e de caráter continuado;
- limitação de gastos com pessoal, limitação da dívida pública e do endividamento;
- proibição de endividamento no último ano de mandato.
A lei é cumprida?
A lei tem proporcionado melhora nas finanças públicas dos municípios e na qualidade do gasto público.
Existem penalidades para o não cumprimento?
Sim. Ao descumpri-la, além as penalidades previstas pela LRF, o administrador
sofrerá as punições previstas na Lei n.º 10.028/2000, art. 5º, IV, relativas à perda de mandato, reclusão de um a quatro anos e pagamento de multa de 30% dos vencimentos anuais. A influência da Lei nº. 101/2000 é significativa na tomada de decisão dos gestores, pois por meio de seus mecanismos disciplinadores, o administrador é obrigado a seguir uma linha de trabalho coerente com a situação financeira apresentada. Não são permitidos os excessos que possam vir a prejudicar o andamento dos serviços dispostos à sociedade. Isso resulta em uma aplicação correta dos recursos públicos, em um plano de governo equilibrado e na prevenção de atos de corrupção.
Essas obrigações são determinadas e controladas por qual órgão?
Os Tribunais de Contas, seja da União, estado ou município, têm a obrigação de verificar o cumprimento legal, bem como de aplicar as penalidades para os prefeitos e vereadores que não obedecerem aos prazos e regras estabelecidos. Em algumas situações, quando não houver dano ao patrimônio público, a irregularidade é enviada ao Ministério Público que irá instaurar um processo de reparação dos prejuízos e solicitar o ressarcimento ao erário público, por meio de multas ou bloqueio do patrimônio pessoal.
As regras são válidas para prefeitos e também para vereados?
Sim. As orientações e regras sobre o último ano de mandato são válidas para os poderes Executivo (prefeitos) e Legislativo (vereadores).
Existe um controle dos gastos realizados durante a gestão?
No decorrer da gestão, os prefeitos devem adotar medidas para que os gastos não ultrapassem os valores de arrecadação. A Lei de Responsabilidade Pública prega o equilíbrio das contas públicas, ou seja, que o gasto seja feito somente se houver dinheiro em caixa. Um dos principais pontos que gera problema no último ano de mandato é o artigo 42 da LRF que se refere a não deixar um saldo de Restos a Pagar (ou contas a pagar) superior ao saldo disponível nas contas bancárias. Isso se faz necessário para a preservação do patrimônio público, não gerando endividamento. O controle de gastos no último ano de mandato também se faz necessário para que o novo prefeito inicie os trabalhos com as "contas em ordem" e já comece a executar os projetos e programas governamentais que foram assumidos em sua campanha política.
A LRF prevê metas de arrecadação?
Após aprovada a Lei Orçamentária Anual (LOA), deve ser feita uma estimativa de arrecadação mensal e é dever do gestor público acompanhar essas metas de arrecadação. É sabido que estamos passando por um momento de crise econômica, onde as arrecadações públicas estão cada vez menores. Como a LRF prevê esse controle, devem ser tomadas medidas para compensar essa queda de arrecadação. Uma dica é que haja uma cobrança efetiva dos recebíveis, principalmente da dívida ativa chamando os contribuintes para uma renegociação e demonstrando que esse pagamento de imposto gera benefícios à cidade.
Existem restrições orçamentárias no ano das eleições?
Sim, no último ano de mandato, os prefeitos devem ter uma atenção redobrada com a prestação de contas de sua gestão. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº. 101/2000) traz algumas restrições orçamentárias em época de maior pressão sobre o orçamento público: o último ano de mandato, que também é o ano eleitoral. Tais limites alcançam, com mais ênfase, as despesas de pessoal e os dispêndios sem cobertura monetária. Tudo isso, sob o forte argumento do enquadramento penal (art. 359-C e G do Código Penal). Quanto aos contingenciamentos determinados pela Lei de Responsabilidade Fiscal para o último ano, podemos citar:
a - realização de operações de crédito por antecipação da receita – ARO (art.
38, IV, "b");
b - promoção de quaisquer atos que provoquem aumento da despesa com pessoal, nos últimos cento e oitenta dias do mandato (art. 21, Parágrafo Único);
c - contratação de obrigação de despesa que não possa ser paga no exercício
ou cuja parcela a ser transferida para o ano seguinte não esteja relacionada a
disponibilidade de caixa reservada para o pagamento, ou que não disponha de
geração de fluxo de caixa suficiente para o pagamento (art. 42).
d - extrapolação do limite da despesa com pessoal em qualquer bimestre. Como fator essencial, a importância de se guiar por agenda com prazos e processos bem definidos, tendo por base controles permanentes das rotinas e
procedimentos. Trabalhar de forma preventiva, uma recomendação para a prestação de contas no final de mandato.
Qual a diferença entre a contabilidade realizada em uma organização pública e uma privada?
A contabilidade pública se diferencia da privada devido à mudança de objetivos. Ela deixa de evidenciar o lucro para enfatizar os resultados sociais alcançados na gestão. O registro da despesa e da receita orçamentária e sua execução têm como foco as realizações, ou seja, a demonstração dos benefícios proporcionados à sociedade.
Essas prestações de contas são de acesso público? De que forma a população pode examiná-las?
Todo cidadão poderá acompanhar a prestação de contas dos candidatos a prefeito e vereador através do site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pelo endereço eletrônico: http://www.tse.jus.br/.
Qual o papel do profissional da contabilidade na fase de transição de mandato do gestor municipal?
O profissional da contabilidade que atua na área pública é formado e preparado para fornecer aos gestores públicos, as informações atualizadas e exatas que irão demonstrar o resultado da execução orçamentário-financeira. Também está sob a sua responsabilidade conduzir as operações de encerramento do exercício financeiro, bem como prestar informações aos órgãos de controle interno e externo, em cumprimento aos preceitos legais vigentes. Os profissionais contábeis também têm uma importante participação nas prestações de contas das eleições, já que precisam assinar a documentação.
Existe um manual ou cartilha produzida nos anos de eleição pelo governo federal para orientar a transição governamental dos municípios?
Exclusivamente para a transição, não. Existe um manual do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) com orientações aos profissionais da contabilidade e candidatos para as Eleições 2016. Chama-se Contabilidade Eleitoral – Aspectos Contábeis e Jurídicos das Prestações de Contas Eleitorais de 2016
Este ano, aproximadamente 600 mil candidatos concorrerão aos cargos do Legislativo e do Executivo municipal nas 5.570 cidades brasileiras. A obra traz uma explanação prática das Leis n.º 9.504/1997
e n.º 13.165/2015
e suas resoluções para que as prestações de contas eleitorais não sejam desaprovadas. Dividida em quatro partes – (1) Introdução, (2) Contabilidade Eleitoral, (3) Comentários e aspectos contábeis sobre a prestação de contas e (4) Comentários e aspectos jurídicos sobre a prestação de contas -, a obra dedica ainda um capítulo sobre o Movimento de Combate à Corrupção (MCCE).
A atual recessão vivida em todo o país influencia as contas públicas dos municípios e deve impactar nas prestações de contas?
As recentes notícias apontam que estamos vivendo em um período de crise e ela é sentida em todos os setores da economia, inclusive, de forma muito intensa, no setor público. Observa-se uma forte queda de arrecadação própria e das transferências de repasses dos estados e da União, além de corte de convênios. Ao mesmo tempo e com a mesma intensidade, os gastos públicos estão aumentando. Isso ocasiona um desequilíbrio orçamentário e financeiro muito grande. Os municípios estão cada vez mais endividados.
Como avalia as atitudes e decisões tomadas pelos gestores públicos nos últimos anos por conta da crise?
Neste momento em que o país passa por uma situação econômica difícil, os municípios tiveram que pensar em soluções para manter o equilíbrio orçamentário. Algumas atitudes foram tomadas, como adequação dos gastos com folha de pagamento, dispêndio com horas extras, redução de cargos em comissão, revisão dos valores dos contratos de custeio e manutenção, redução de secretarias, redução de salários de secretários e prefeitos. Em alguns casos, os municípios reduziram até o expediente de trabalho para fins de redução de gastos.
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