No dia 1º de julho de 2016 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei n.º 13.303/2016, regulamentando o Estatuto Jurídico das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias no âmbito da União, estados, municípios e Distrito Federal, conhecida como "Lei da Responsabilidade das Estatais" ou "Lei das Estatais".
A norma trouxe alterações significativas no regime jurídico aplicável às estatais, no que diz respeito às contratações públicas, exigindo a adequação dos processos nos mecanismos de transparência e governança e a capacitação dos profissionais responsáveis pelas contratações no âmbito das estatais.
Quem fala sobre o assunto é o conselheiro do CRCSP, Manoel Veríssimo do Nascimento.
O que diz a Lei n.º 13.303/2016, que dispõe sobre um novo regime de licitações e contratos?
A norma disciplina o regime das licitações, das contratações diretas e dos contratos das empresas estatais. É um novo regime jurídico que abrange a legislação do Pregão, do Regime Diferenciado de Contratações (RDC) e da Lei de Licitações e estabelece critérios para nomeação dos dirigentes das estatais. Dezoito anos após a Emenda Constitucional n.º 19, que estabeleceu a necessidade de um estatuto, a Lei n.º 13.303 definiu as regras, resolvendo grandes impasses quanto a esses procedimentos.
Como são definidas as empresas estatais?
A lei apresenta as definições de empresa pública e sociedade de economia mista da seguinte forma:
- Empresa pública: entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei e com patrimônio próprio, cujo capital social é integralmente detido pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios.
- Sociedade de economia mista: entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou a entidade da administração indireta.
A quem a lei se aplica?
A Lei das Estatais é nacional, vale tanto para a União como para os estados, o Distrito Federal e os municípios. Suas normas se aplicam a toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista, de qualquer ente da Federação, que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, mesmo que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União, ou seja, de prestação de serviços públicos. Não há distinção entre estatais exploradoras de atividade econômica (exemplos: Petrobras e Banco do Brasil) e prestadoras de serviços públicos (exemplos Infraero e Correios). Todas devem observar os ditames da lei. Também estão sujeitas à Lei das Estatais as empresas públicas, as sociedades de economia mista que participem de consórcio, a sociedade de propósito específico (SPE) controlada por empresa pública ou sociedade de economia mista. As regras de licitações e contratos aplicam-se também à empresa pública dependente que explore atividade econômica, sujeita ao regime de monopólio da União, ou seja, de prestação de serviços públicos (exemplo, a Serpro). A lei determinou regras de governança como práticas de gestão de risco e controles internos, regras para indicação de administradores, dentre outras, estabelecendo um prazo de 180 dias para que o Poder Executivo de cada ente, com receita operacional bruta inferior a 90 milhões de reais, crie regras de governança próprias, destinadas às suas estatais. Se não forem editadas essas regras no prazo estabelecido, suas estatais ficarão submetidas às diretrizes da Lei n.º 13.303.
Isso já vinha sendo discutido há algum tempo? As recentes operações fraudulentas motivaram a publicação da lei?
Com as diversas operações da Polícia Federal, foram identificadas diversas condutas criminosas que culminaram no desvio de quantias vultosas nessas contratações, em especial da Petrobras. Durante os trabalhos, identificou-se que decretos muito antigos teriam permitido a ocorrência desses crimes e fraudes. Os incidentes poderiam ter acontecido em qualquer órgão ou entidade que observasse a Lei Geral de Licitações. As ocorrências não têm relação com o regulamento próprio de licitação, mas tem relação com a ausência de mais responsabilidades através de um marco legal de negócios de estatais.
Alguns pontos da lei estão gerando polêmica. Quais são eles e por que?
Acredito que o ponto polêmico seja o Art. 17 – "Requisitos para Escolha dos Administradores - Consideram-se administradores da empresa pública e da sociedade de economia mista os membros do Conselho de Administração e da diretoria". A escolha desses administradores deve recair sobre cidadãos de reputação ilibada e de notório conhecimento que preencham, cumulativamente, os seguintes requisitos:
- Tempo mínimo de experiência profissional, estabelecido na lei.
- Formação acadêmica compatível.
- Não ser inelegível.
A lei veda, e aí está a polêmica, a indicação das seguintes pessoas para o Conselho de Administração e para a diretoria:
- Representante do órgão regulador ao qual a estatal está sujeita, de ministro de Estado, de secretário de Estado, de secretário municipal, de titular de cargo, sem vínculo permanente com o serviço público, de natureza especial ou de DAS na
Administração, ainda que licenciados do cargo.
- Dirigente estatutário de partido político e de titular de mandato no Poder Legislativo de qualquer ente da federação, ainda que licenciados do cargo.
- Pessoa que atuou, nos últimos 36 meses, como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral.
- Pessoa que exerça cargo em organização sindical.
- Pessoa que tenha firmado contrato ou parceria, como fornecedor ou comprador, de mandante ou ofertante, de bens ou serviços de qualquer natureza, com a pessoa político-administrativa controladora da estatal ou com a própria empresa ou sociedade em período inferior a 3 anos antes da data de nomeação.
- Pessoa que tenha ou possa ter qualquer forma de conflito de interesse com a pessoa político-administrativa controladora da estatal ou com a própria empresa ou sociedade.
Vale ressaltar que a vedação prevista para autoridades do Governo, dirigentes de partido político e membros do Legislativo, estende-se também aos parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau das pessoas nele mencionadas.
Quem são os profissionais impactados e que deverão entender as mudanças?
Pregoeiros, profissionais da contabilidade pública, profissionais que atuam em departamento de compras, fiscais e gestores de contratos, advogados, auditores, profissionais dos controles interno e externo e demais agentes públicos envolvidos na condução das licitações e dos contratos administrativos das empresas públicas e das sociedades de economia mista.
Cite alguns aspectos importantes da Lei n.º 13.303 que impactam na rotina dos profissionais da contabilidade.
A partir dos artigos 28 a 84, que remetem às licitações e contratos, a Lei das Estatais passou a disciplinar a realização de licitações e contratos no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista, independente da natureza da atividade desempenhada (prestadora de serviço ou exploradora de atividade econômica). Em alguns casos, a Lei n.º 8.666/1993
deixou de ser aplicada a essas entidades, salvo nos casos expressamente descritos na própria Lei n.º 13.303 (normas penais e parte dos critérios de desempate), cabendo ao profissional da contabilidade atuante no setor público, em especial nas empresas abrangidas pela lei, atentar para todas essas mudanças, no uso preferencial do pregão, conforme disciplina a Lei n.º 10.520/2002,
nas empresas públicas e sociedades de economia mista, para aquisição de bens e serviços comuns. Portanto, as estatais não vão mais utilizar as modalidades de licitação previstas na lei de 1993 (convite, concorrência, tomada de preços, concurso e leilão), e sim, os procedimentos previstos na atual lei de 2016, para a aquisição de bens e serviços comuns, adotando preferencialmente o pregão.
O que representa a nova lei?
A modernização da legislação de licitações e contratos das estatais representa um marco no cenário nacional. É um avanço por conta do RDC e de questões pontuais da contratação direta e vigência de contratos para as estatais. No entanto, as mudanças não dispensam a necessidade de aprimoramento constante nos debates sobre a transparência da gestão pública, no combate à corrupção e na busca de procedimentos cada vez mais rápidos e eficientes.
A partir de qual data as estatais estão obrigadas a adotar os procedimentos definidos na nova lei?
As estatais possuem um prazo de 24 meses para se adequar às novas regras estatuídas, de modo que os procedimentos licitatórios e os contratos iniciados ou celebrados nesses 24 meses permanecem regidos pela Lei n.º 8.666/1993 (art. 91).
A Lei das Estatais vai contribuir para a redução das fraudes?
O caminho para a contenção de desvios de condutas graves passa pela mudança de cultura, por uma gestão competente e pela consistência de marcos reguladores, associados à transparência de processos. Assim sendo, os órgãos de controle já identificaram que a moralidade de uma gestão não são as leis e procedimentos burocráticos, mas sim uma mudança na conscientização, que é o que se propõe com compliance, tema de destaque na atualidade.
Fonte usada pelo conselheiro: Estratégia Concursos, de Jacoby Fernandes & Reolon Advogados Associados
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